Honrar a sabedoria das gerações anteriores
Ainda consigo ouvir a voz dela. A melodia era cheia de doçura e, na maioria das vezes, seguida por um toque de graça—sua qualidade mais cativante. As suas mãos suaves e enrugadas agarravam-se firmemente às minhas com uma força que superava o formato de seu pequeno corpo. A graça com que a minha bisavó, Ma, viveu a sua vida é uma que nunca será esquecida por aqueles que ela deixou na terra há três anos.
Esta pequena e vivaz mulher basca-hispânica viveu uma vida de contos de fadas com um amor e um espírito abundantes por mais de 97 anos – e assim como até mesmo os melhores romances, a sua vida chegou ao fim.
Ver Ma piorar foi uma das experiências mais difíceis da minha vida.
Quando chegou a notícia de que Ma tinha apenas algumas semanas de vida, todos queríamos aproveitar o tempo que ainda tínhamos com ela. Ela foi rapidamente para a casa de sua filha, e logo depois foi rodeada por filhos, netos e bisnetos. Os membros da família viajaram e dirigiram para desfrutar de alguns últimos momentos preciosos com Ma. No entanto, para surpresa de todos os médicos, este ato de amor familiar foi o antídoto que o coração fraco de Ma precisava.
Nossa doce Ma viveu muitos anos depois disso, e eu aprendi uma lição importante. A minha jovem mente sempre viu esta matriarca como sendo roubada pelo ladrão da idade. Eu a vi parar de dançar, jogar tênis, ler romances, citar frases de “E O Vento Levou”, e inúmeros outros passatempos favoritos foram todas as razões para ela se cansar da vida e desejar que ela chegasse ao fim.
Mas esta noção deprimente de idade como um ladrão mudou enquanto eu via Ma recuperar propósito quando esteve rodeada por seus entes queridos—cada um deles achando que era o seu favorito. A história de Ma sugere outra coisa – lembrando-nos de que a conexão humana e o amor podem ser a graça salvadora para uma mente em declínio.
Esta mulher corajosa de 40 quilos passou para a vida seguinte, deixando um grande legado de amor. A morte de Ma inspirou uma curiosidade dentro de mim pelos adultos à minha volta. Ela me deu uma nova visão da sua vontade de viver apesar da dor no quadril, rugas e corpo exausto. Refleti sobre o modo como ela continuava a viver, não para si mesmo, mas para um propósito maior. Ela experimentou uma longa vida rica em experiências que os olhos mais jovens muitas vezes não conseguem ver.
Nos últimos anos, desde que perdi Ma, tenho refletido sobre o valor de respeitar e reverenciar os nossos idosos, que por vezes é uma vítima da nossa sociedade em ritmo acelerado e individualista e, por diferentes razões, podem se perder especialmente para a geração mais jovem. Agora, eu acho difícil dar a outra face quando eu ouço as pessoas dizer coisas ruins para as pessoas mais velhas ou maltratá-las.
Não é melhor ouvir suas histórias e aprender com os seus anos de experiência de vida em vez de descartá-los como desatualizados, inúteis ou inválidos? Cada vez que um indivíduo idoso falece, perdemos uma enciclopédia do conhecimento. Procurar as suas jóias de sabedoria não é ainda mais relevante numa sociedade onde 27% das pessoas com mais de 60 anos já vivem sozinhas—muitas sem familiares para apreciar as suas histórias?
Podemos aprender muito sobre o respeito aos idosos pelas ricas tradições culturais de outras sociedades. Na cultura do Oriente Médio, por exemplo, os sistemas familiares são normalmente construídos sobre famílias intergeracionais e a proximidade com os membros mais velhos da família. Uma mulher iraquiana, Luma Simms, explica esta norma dentro de sua cultura como resultado de sua reverência e amor pela geração mais velha. Ela descreveu sua comunidade como uma “onde cada membro é valorizado e tem uma parte insubstituível, especialmente os idosos.”
Esta valorização da geração mais velha também é claramente visível em muitas culturas asiáticas, como a China, a Coreia e o Japão—todas as culturas enraizadas nesta convicção, resultando em práticas associadas à piedade filial (uma virtude de respeito aos pais e antepassados). Esta noção cultural está profundamente fundamentada em valores confucionistas e vai muito além de respeitar os próprios membros da família para ensinar proativamente as crianças a reverenciar toda a população envelhecida. Estas culturas pintam uma bela imagem de abraçar a vida posterior, em vez de evitar o envelhecimento ou afastar os idosos em seus anos culminantes de vida de uma forma que os faz sentir como membros indesejados da sociedade.
Tribos nativas americanas também respeitam profundamente a sua população mais velha, não para de alguma forma manter o seu brilho juvenil, mas por seus anos de sabedoria e experiência de vida. Da mesma forma, dentro da cultura grega, referir-se a uma pessoa como um “homem velho” ou “mulher velha” não é um insulto, mas uma maneira de honrar a sua sabedoria e proximidade com Deus. E se fôssemos capazes de reimaginar e redefinir culturalmente o envelhecimento em algumas dessas mesmas maneiras?
Curiosamente, um maior cuidado por aqueles que possuem mais anos vividos nesta terra foi forçado aos olhos do público por conta do devastador surto de COVID-19. Tornou-se tragicamente claro para todos nós que as pessoas que corre, mais risco, em termos de contaminação e morte por este vírus, são aquelas com mais de 65 anos. Uma vez que foram necessárias medidas drásticas para conter a propagação deste vírus, o distanciamento social tem sido especialmente aconselhado para adultos mais velhos.
A ordem de ficar em casa inundou a minha mente com imagens de idosos trancados dentro de lares, sem ligação externa com a família ou amigos. No entanto, muitos desses pensamentos iniciais se fundiram docemente em uma maior fé na humanidade a medida que minhas mídias sociais foram inundadas com exemplos maravilhosos de gerações mais jovens ajudando aqueles de gerações mais velhas. O recente tuíte de Rebecca Mehra tornou-se viral quando ela contou que ajudou uma senhora e seu marido a fazerem compras no mercado porque eles estavam com medo de ir à loja. A semente da abnegação que Mehra plantou naquele dia foi uma mensagem crítica para este momento.
Facebook e Instagram estão agora cheias de histórias de “cantores da quarentena” que cantam para os idosos, na porta de suas casas, respeitando o limite de dois metros de distância e histórias de netos no banco de trás do carro, acenando para seus avós pela da janela do carro, em uma visita drive-thru. Estes pequenos atos não só espalham o amor no coração dos que são servidos, como também espalham a consciência para a população de que os idosos merecem tanto o nosso amor e como nossa admiração.
Como vi tão intensamente demonstrado em minha bisavó, a sua necessidade de relacionamento humano só se aprofundou quando o seu corpo envelheceu e a sua mente começou a perder força. No fim, tive de soltar sua mão quando o seu tempo na terra chegou ao fim. No entanto, a sua morte e as lições de vida que ela compartilhou apenas aumentaram o meu desejo de trazer alegria para as vidas destas almas experientes e poderosas. Reconheço esta nova reverência como um presente da minha bisavó.
À medida que enfrentamos as terríveis circunstâncias desta pandemia global, temos a oportunidade única de não só servir—mas talvez também redefinir algumas das visões individualistas da nossa cultura por meio do reconhecimento abnegado das necessidades dos idosos, tão especialmente vulneráveis neste momento. Culturas em todo o mundo têm feito isso por séculos, levando adiante tradições antigas de seus ancestrais reverenciados. Talvez este seja o momento de adotarmos este mesmo nível de cuidado em meio à esta pandemia e mostrar-lhes o apreço que merecem.
Fonte: Public Square Magazine
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