O consumo de carne é proibido na lei de Deus?
Primeiramente devo alertar que este não é um artigo de nutrição, embora trataremos de assuntos relacionados à saúde do corpo e à qualidade de alimentos. Trata-se de mais uma consideração sobre o Evangelho de Jesus Cristo.
Outro aviso preliminar importante é que todos os que decidem, por voto religioso ou não, abster-se de carne, devem ser respeitados e, se preciso, protegidos. Este artigo não visa afrontar o direito de escolha deles, mas demonstrar o que as escrituras revelam sobre o tema.
Agora partamos para o assunto principal, levando em consideração a nobreza da vida animal, a relação do homem e do animal, a voz do Senhor no passado e no presente sobre a questão.
A Vida é Sagrada
Deus criou todas as coisas, inclusive as plantas e os animais. Ele ama sua criação e zela por ela. As escrituras dizem que o Pai Celestial alimenta as aves do céu (Mateus 6:26). Nas belas palavras do Salmista lemos a importância que Deus dá a sua Criação:
“A tua misericórdia, Senhor, está nos céus, e a tua fidelidade chega até às mais excelsas nuvens. A tua justiça é como as grandes montanhas; os teus juízos são um grande abismo. Senhor, tu conservas os homens e os animais.” (Salmos 36:5-6)
Essa passagem declara claramente que a Expiação de Jesus teve um efeito em toda Criação – e não apenas no homem.
Os animais possuem espírito – e foram criados na vida pré-mortal. Os animais ressuscitarão, pois o Sacrifício de Jesus Cristo – que reconstituiu à Deus tudo e todos, com exceção os filhos da perdição (D&C 76:43) – lhes concederá imortalidade e perfeição. De fato, o Salvador mesmo ensinou que nenhum animal é esquecido por Deus (Lucas 12:6).
O Presidente Joseph Fielding Smith se referindo a isso declarou:
“É uma noção muito inconsistente apoiada por alguns, que a ressurreição virá unicamente a almas humanas, que animais e plantas não possuem espíritos e portanto não serão salvos pelo sacrifício do Filho de Deus, e portanto, que não estão designados à ressurreição.”(Smith, Answers to Gospel Questions, 5:7)
Deus deu os animais para beneficio do homem – mas há responsabilidade nesta dádiva
Para que Deus conseguisse “seus eternos propósitos com relação ao homem” os animais foram criados. Considere: os animais servem de companhia e como protetores (Êxodo 22:5); servem para embelezar o mundo (Gênesis 1:25); servem como alimento, vestuário e como meio da transporte (Gênesis 30:43, Levítico 25:7); servem para cumprir profecias (João 12:15); servem como parábolas, alegorias e símbolos (Provérbios 26:11, II Pedro 2:22, Salmos 51:19); servem até para afligir e provar os filhos de Deus (Êxodo 8:8) – e muito mais.
Evidentemente os animais não são criados unicamente para o beneficio do homem – eles foram criados para glória de Deus, e são preciosos aos olhos do Senhor do Universo.
O Senhor disse que o homem dominaria sobre os animais (Gênesis 1:26) – e isso realmente tem acontecido. Entretanto esse domínio não deve ser injusto. “Dominar” no sentido da escritura significa presidir, cuidar, zelar. Deus não se agrada dos que maltratam os animais e os aniquilam com finalidade materialista.
Uma interessante citação sobre isso vem do Presidente Spencer W. Kimball
“Gostaria de acrescentar alguns de meus sentimentos pessoais a respeito do desnecessário derramamento de sangue e destruição da vida. Creio que toda alma deveria ficar impressionada com o que é descrito aqui pelos profetas (…)
O Presidente Joseph F. Smith disse: ‘Não acredito que homem algum deva matar animais ou aves, a menos que deles necessite como alimento, mas, neste caso, não deve matar as inocentes avezinhas que não foram feitas para esse fim. Creio que é uma perversidade a ânsia que o homem tem de matar tudo o que possua vida animal. É errado, e tenho-me surpreendido de ver homens preeminentes, sequiosos de exterminar animais.’” (“Princípios Fundamentais para Se Ponderar e por Eles Viver”, A Liahona, abril de 1979, pg. 65-66.)
A Carne era proibida no Velho Testamento e no Livro de Mórmon?
Adão e Eva receberam de Deus a instrução de que toda planta e animal seriam para seu mantimento (Gênesis 1:29-30). “Mantimento” aqui, em sentido lato, inclui alimentação, vestimenta – e todo uso adequado de animais e plantas – como, por exemplo, o uso de animais para o trabalho, paro o transporte – e até mesmo a utilização como companheiros de estimação.
O consumo de carne parece ter sido desimpedido entre os Patriarcas do Velho Testamento. Em Gênesis 43:32 há um interessante detalhe, que passa desapercebido da maioria: José comeu separado de seus colegas egípcios. Ele respeitava o crença egípcia de que fêmeas de gado eram sagradas – e não poderiam ser consumidas pelo homem. Como os hebreus não faziam distinção ao comerem carne de gado (não importando se eram de uma fêmea ou de um macho) o melhor era comer em separado – pois tal pratica seria considerada abominação aos egípcios.
O consumo de carne só teve uma restrição expressa quando Moisés revelou a Velha Aliança de Israel, na qual vários alimentos foram proibidos. Alguns foram classificados como imundos e outros como limpos. Evidentemente a restrição tinha um aspecto de proteção à saúde do povo de Israel, já que, por exemplo, a carne suína é altamente sujeita a ser contaminada por triquinose, uma doença que é facilmente transmitida ao homem . Os moluscos também podem desenvolver um veneno mortal, caso não sejam apanhados e usados da maneira adequada, e assim por diante. Devido as técnicas rudimentares de limpeza e conservação, o Senhor deu uma lei que protegeria seu povo.
Não obstante a explicação dada, o termo “imundo” parece indicar muito mais do que a falta de uma limpeza física. Deus, mais uma vez, estava querendo transmitir verdades eternas por meio de simbolismo:
“Se o código alimentar for considerado tanto simbolicamente como sendo parte de um sistema de leis que abrangiam todos os atos costumeiros da vida, a sua finalidade logo se torna aparente. Deus estava usando a dieta como um instrumento de ensino.
As pessoas provavelmente se esquecem de orar, brincar, trabalhar, ou prestar adoração, mas dificilmente se esquecem de comer. Abstendo-se voluntariamente de certos alimentos, ou cozinhando-os de maneira especial, um israelita fazia diariamente um compromisso pessoal de colocar sua fé em ação. A cada refeição era feita uma escolha formal, a qual gerava excelente autodisciplina. Obediência a tal lei proporcionava fortalecimento, e seu entendimento, maior visão. Além disso, a lei servia para separar os filhos de Israel de seus vizinhos, os cananeus. Toda vez que um hebreu sentia fome, forçosamente se lembrava de sua identidade pessoal e vínculos comunitários. De fato, eram um povo à parte. A lei, portanto, agia como um instrumento social, mantendo íntegra a nação hebreia; um instrumento psicológico para preservar a identidade do indivíduo, e um instrumento religioso para fazer com que o povo se recordasse sempre de Jeová.” (Manual do Curso do Instituto do Velho Testamento, pg. 173)
Nos rituais simbólicos da Velha Lei também encontramos detalhes sobre o abate e tratamento da carne de animais. Um comentário relevante ao estudarmos sobre isso esta no Manual do Curso do Instituto do Velho Testamento:
“A leitura do derramamento de sangue de animais sacrificados, e da maneira como o sangue era recolhido em bacias e aspergido sobre o altar, ou usado de outras formas diferentes, pode ser ofensiva a certos leitores modernos. Na época atual, o máximo que sabemos sobre a matança de animais é o que diz respeito ao açougue de um supermercado, onde a carne é higiênica e atraentemente acondicionada em balcões frigoríficos. O sangue e as entranhas dos animais jamais são vistos pelo público em geral; assim sendo, quando alguns detalhes relativos a eles são tratados, como acontece no Velho Testamento, a reação mais comum dos leitores atuais é a náusea ou repulsa. Devemos ter em mente duas coisas importantes. Primeiro, para os povos do Velho Testamento, tais práticas não eram ofensivas . A matança de animais para alimento, a visão do sangue e a limpeza da carne faziam parte de suas experiências cotidianas. Qualquer família típica daquela época criava animais e os matava para alimento. Até mesmo nas grandes cidades, as pessoas compravam carne em feiras ao ar-livre, onde frequentemente os animais eram mortos no próprio local, para que a carne fosse fresca. Tal costume ainda é comum nos países do Oriente Médio. Em segundo lugar, é o que tais práticas denotam que geralmente ofende ao leitor urbanizado de hoje em dia. Porém, quando procuramos entender o que existe por detrás do simbolismo, a conotação que ele deseja transmitir, então a repulsa se transforma em apreciação das verdades que estão sendo ensinadas.” (pg 111)
Os holocaustos e sacríficos da Lei de moisés incluíam ofertas de carne. De fato, havia um constante cheiro de churrasco no Tabernáculo e, depois no Templo, já que a carne era queimada como parte dos rituais.
Assim, é inegável que a carne não era proibida na época do Velho Testamento.
No Livro de Mórmon a carne não parece ser proibida também . Néfi e sua família, no deserto, alimentam-se de carne crua (1 Néfi 17:2). E os nefitas justos se esforçam para viver a Lei de Moisés, com todas as suas práticas e ritos, assim evitavam animais impuros conforme descrito em Levíticos.
O Consumo de Carne no Novo Testamento
Vemos que Jesus Cristo era um cumpridor fiel da Lei de Moisés. Entretanto, Ele cumpriu a Lei, e instituiu um Novo Convênio. De fato, ele (durante seu ministério mortal, e também depois de ressuscitar, através de seus apóstolos) não apenas encerrou práticas e rituais da Lei de Moisés, mas alguns de retomavam a Abraão (como a circuncisão) e até mesmo Noé, Enoque e Adão (como os holocaustos). O Novo Testamento tem como um dos temas centrais a Nova Lei de Deus (daí seu nome).
Jesus, em Marcos 7:14-20, parece indicar que a verdadeira contaminação não vem pelo alimento, e, alguns supõem, que, nesta passagem, Ele estaria revogando os aspectos proibitivos de certos alimentos constantes na Lei de Moisés. Todavia, a passagens não parece ter o proposito de estabelecer uma dieta mais ampla para os israelitas, mas de ensinar que a verdadeira impureza advém das más obras.
Nem mesmo a passagem de Atos 10 – onde Pedro recebe, numa visão, ordem de alimentar-se de animais impuros – parece indicar que Deus passa a permitir novos alimentos. Afinal, Pedro logo percebe que a visão é um simbolo de que os gentios (povo antes considerado impuro) devem ser aceitos no convênio.
Judeus e Muçulmanos não comem carne de porco. Entretanto, a maioria dos cristãos a comem, e entendem que a Lei de Moisés foi inteiramente cumprida, não tendo mais aplicabilidade, até mesmo nos aspectos alimentares.
Paulo é um dos que mais ensina sobre a revogação da Lei de Moisés. Ele ensina:
“Mas o Espírito expressamente diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios; Pela hipocrisia de homens que falam mentiras, tendo cauterizada a sua própria consciência;
Proibindo o casamento, e ordenando a abstinência dos alimentos que Deus criou para os fiéis, e para os que conhecem a verdade, a fim de usarem deles com ações de graças” (1 Timóteo 4:1-3)
As questões sobre alimentação devem ter sido um desafio com o acréscimo de mais e mais fieis, proveniente de culturas diversas, na época das missões do Apóstolo Paulo. Alguns judeus convertidos preferiam seguir a dieta que sempre haviam seguido, outros passavam a experimentar novos alimentos. Gentios convertidos podiam continuar a alimentar-se como antes o faziam, a menos que isso fosse contra as escrituras e revelações. Mas as questões e conflitos fizeram Paulo escrever:
“Ora, quanto ao que está enfermo na fé, recebei-o, não em contendas sobre dúvidas. Porque um crê que de tudo se pode comer, e outro, que é fraco, come legumes.
O que come não despreze o que não come; e o que não come, não julgue o que come; porque Deus o recebeu por seu. (Romanos 14:1-3)
A voz do Senhor em nossos dias sobre o consumo de Carne
Em 7 de maio de 1831, o Profeta Joseph Smith recebeu uma revelação (Seção 49 de Doutrina e Convênios) na qual alguns esclarecimentos doutrinários importantes são feitos. Entre os esclarecimentos, encontramos, nos versículo 18-21:
“E todo o que manda que se abstenha de carne, que o homem dela não faça uso, não é autorizado por Deus; Porque eis que as bestas do campo e as aves do ar e aquilo que provém da terra foram estabelecidos para uso do homem, para alimento e para vestuário e a fim de que ele tenha em abundância.
Mas não foi determinado que possuísse um homem mais do que o outro; portanto, o mundo se acha em pecado.
E ai do homem que derrama sangue ou desperdiça carne sem necessidade.”
Em outras palavras: o consumo de carne está autorizado. Mas é preciso diferenciar o que é para alimento e o que é para vestuário – e ainda o que é para outra finalidade. Além disso, os recursos devem ser limitados as necessidades do homem, sem que um tenha mais que outro. E não deve ter derramamento de sangue animal sem necessidade. O desperdício é pecado.
O Senhor acrescentou, alguns anos mais tarde, na revelação conhecida como “Palavra de Sabedoria”:
“Sim, também a carne de animais e a das aves do ar, eu, o Senhor, indiquei para uso do homem, com gratidão; contudo, devem ser usadas moderadamente;
Agrada-me que não sejam usadas a não ser no inverno ou em tempos de frio ou de fome. (D&C 89:12-13)
O Senhor deixa claro – e esta é a Palavra mais recente Dele sobre o assunto, que a carne de animais (especialmente a carne vermelha) pode ser usada – mas deverá ser moderadamente, ou seja, parcamente, com prudência, razoabilidade e sabedoria.
É do agrado de Deus que as carnes não sejam usadas pelo homem, exceto no inverno ou em tempos de frio ou de fome. Assim sendo, parece que em 1833 os santos já estavam sendo avisados sobre os malefícios do consumo exagerado de carne, que seriam plenamente divulgados no mundo devido a várias descobertas cientificas, muitos anos mais tarde.
A conclusão é que podemos consumir carne, preferencialmente no inverno e em tempos frios ou quando há falta de outros alimentos. O consumo deve ser moderado. O Senhor não se agrada da destruição da vida de seus criações por propósitos egoístas.
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